O GUIA DO PERITO

Capítulo 1

Era junho de 2015. Naquela época eu era engenheiro chefe em uma empresa de equipamentos agrícolas e lecionava algumas disciplinas no curso Engenharia Mecânica do Instituto Federal, além de estar a percorrer alguns países para publicar artigos relativos à minha última pesquisa em ritmo acelerado, pois estava próximo da conclusão do meu mestrado. 

Lembro-me que, um dia, estava na Autoestrada do Sol, saindo de Florença em direção a Roma, para um encontro que ocorreria em uma Conferência Internacional do Meio Ambiente e Engenharia Elétrica. Durante o percurso, me via curiosamente entusiasmado com a direção e a tecnologia do carro elétrico que dirigia — inovação que não havia sido experimentada por mim até então —, quando meu telefone toca. 

No viva-voz, era um grande amigo, assistente técnico de um juiz do interior do Estado de Goiás, que, sem muitas delongas, me perguntou: 

— Você faz perícias judiciais? 

Eu, desconfiado e incerto da resposta, me precavi: 

— Estou na rodovia agora e te ligo mais tarde. 

Eu realmente estava no trânsito, mas parei o carro naquele instante e perguntei ao Google: “o que é uma perícia judicial?”. Passados 15 minutos de leitura rápida no celular, retornei à ligação de maneira empolgada: 

— Grande Geam, consegui parar aqui para falar com você. Faço perícias judiciais sim! 

— Não se acham especialistas engenheiros mecânicos aqui no interior para o tipo de perícia que preciso fazer e meu prazo processual está bem apertado! — queixou-se do outro lado da linha. 

Perguntei por base qual era o objeto de discussão naquele processo e antes que finalizasse a resposta, adiantei: 

— Meu amigo, você acabou de achar o especialista! 

Foi assim que recebi minha primeira nomeação, sem esperar. A discussão da perícia, afinal, era se o airbag do veículo deveria ou não ter aberto após uma colisão com vítimas fatais. 

A partir daquele dia, seguindo meu gosto aprofundado pela pesquisa científica e acadêmica, procurei diversos cursos sobre perícia, revisei diversos artigos relacionados, entrevistei vários conhecidos do meio jurídico, decorei cada parte do processo civil que regulamenta a nomeação dos peritos, li e reli todos os pontos daquele processo. Aprendi, na marra, como funcionava a comunicação com os cartórios, juízes e advogados, e hoje reconheço que não tinha a mínima ideia do valor que cobraria para aquela nova função. 

Logo quando o cadastro dos peritos se tornou obrigatório nos Tribunais de Justiça, as nomeações começaram a escalar e a chamar minha atenção para os mais diversos e inimagináveis casos que a engenharia poderia me trazer. Esse lado CSI1, que todos temos um pouco, é realmente viciante! Quando leio um processo e vejo o motivo da discussão — como um sábio discípulo de Sherlock Holmes —, começo a pensar em todas as possibilidades possíveis, analiso o ponto de vista de cada parte, aprofundo-me em todas as evidências já existentes no processo, busco pela literatura técnica, consulto os especialistas, crio um breve rascunho sobretudo que ainda preciso saber e vou atrás das pistas necessárias. Dessa maneira, ao chegar no dia do exame pericial, as perguntas certas me levam às respostas que procurava e, como um astuto investigador, consigo relatar todos os esclarecimentos demandados no meu Laudo Pericial enviado ao juiz. 

Apesar de minha paixão à primeira vista pela perícia, tenho uma confissão: no início, “ser perito” era um hobby paralelo à minha profissão de engenheiro mecânico, que era fortemente alinhada à minha paixão pela pesquisa científica. Contudo, o hobby logo virou uma obsessão. A partir dessa obsessão, conheci, revisei, adaptei e desenvolvi metodologias que facilitam a condução da investigação, construí modelos de checklist, desenvolvi artigos em Congressos de Perícias e, com tudo isso, me enriqueci — sem data prevista para término — de muito conhecimento relacionado ao tema. 

Por conta disso, em pouco tempo aquele hobby se tornou meu ganha pão, minha principal atividade profissional. A especialidade foi progredindo e as nomeações em processos de alta complexidade foram surgindo na mesma rapidez que minha excitação por novos e obscuros problemas crescia. Com isso, tive que montar uma equipe, além de otimizar relatórios, laudos e vistorias. Propus procedimentos padrões e destrinchei diversas normas técnicas visando sempre manter a imparcialidade, a ética e a qualidade do trabalho que ofereço. 

Diante de tanto entusiasmo vindo de alguém que leciona, é fácil saber por que eu entendi que, no presente trabalho, seria importante não apenas enunciar a legislação de maneira expositiva, mas trazer a interpretação de cada uma. Além disso, eu não abordei somente as discussões existentes no universo da engenharia e a estrutura de laudos e petições, mas procurei especificar a forma de aplicá-los em casos reais, concretos e de fácil entendimento.  

Este livro é para você que procura se especializar em perícias na área de engenharia mecânica, agrícola, automotiva e/ou industrial, além de também ser para você que, mesmo nunca tendo feito uma perícia judicial, compartilha da curiosidade e dos anseios por investigação que me cercam. Há uma recompensa financeira generosa por este trabalho. Entretanto, vai muito além disso, pois o perito é visto como o esclarecedor técnico de um longo e desgastante confronto processual que, atingidos os resultados almejados, recebe o reconhecimento que essa profissão merece, permitindo que nós possamos dizer, com orgulho: “faço perícias judiciais sim!” 

Há muita motivação e capricho quando se é apaixonado por aquilo que se faz. E a atividade pericial virou a minha motivação. Minha real felicidade é saber que, por bem ou por mal, conflitos que precisam com urgência de um perito judicial não deixarão de existir e que o crescente conhecimento da população sobre seus direitos civis nos permitirá navegar por um verdadeiro oceano azul2.